O Facebook ficou às cores. Não no seu sempre-azul interface, mas nos perfis, muitos, que celebraram a decisão do Supremo Tribunal dos EUA no que diz respeito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (dentro do modelo binário homem-mulher).
Claro: nem toda a gente mudou a sua fotografia de perfil. A alguns, o assunto não lhes interessa, acham (erradamente) que nada têm que ver com isso (mas olhem que direitos humanos são de toda a gente!). Outros são lesbigaytransfóbicos assumidos, e nunca o iriam fazer (mas como a coerência não é o seu forte, continuam a usar os serviços de uma empresa que viola os seus padrões morais).
Outros ainda (perdoem a simplificação das categorias), preferiram assinalar o dia partilhando notícias várias, que dão conta do que ainda está por fazer, de como ainda há uns dias atrás uma activista trans* foi expulsa da Casa Branca quando tentou chamar a atenção para a violação de direitos de pessoas LGBTQIA+; de como se pode, nos EUA, agora, casar, mas também em vários estados ser-se despedidx sem problemas legais advirem daí, bem como um sem-fim de outros problemas. Boa parte dos quais, note-se, recaem sobre pessoas trans*, que beneficiam pouquíssimo-ou-nada com esta decisão do Supremo Tribunal.
Como é facebookianamente expectável, começaram logo a voar as acusações de que as pessoas deste terceiro grupo eram todas umas snobs elitistas radicais para quem nada nunca está bem ou é bom de celebrar, bem como de que quem mudou a sua fotografia de perfil o fez só para ‘parecer bem’ e que é uma pessoa politicamente alienada e seguidista, totalmente dominada pelo imperialismo cultural americano.
Eu gostava, da minha parte, de fazer voar uma acusação transversal: a de que ambas essas acusações são maniqueístas, binárias, simplistas. Da mesma forma que as pessoas que mudam a foto no Facebook não têm por isso mesmo que ser umas alienadas políticas, também as pessoas que preferem partilhar notícias ou posturas mais críticas não têm de ser, necessariamente, umas snobs elitistas com a mania de que têm uma qualquer superioridade moral.
Não é errado ou mau celebrar esta vitória simbólica.
Mas – e claro que tinha que vir um “mas”, senão a crónica ficava pela metade! – quem o fez deveria responsabilizar-se pessoalmente por ser coerente com essa celebração. Hoje, dia 28 de Junho, é o aniversário da revolta de Stonewall. É o aniversário do evento que, pelo menos na forma como a História acabou a ficar contada, despoletou o movimento pelos direitos LGBTQIA+.
Não, não vou dizer nada do género “Se não sabes o que foi Stonewall, não tinhas direito a mudar a foto do perfil!”. Vou dizer outra coisa, que espero ser mais produtiva: se mudaste a foto do perfil, aproveita o dia de hoje para partilhar algo sobre Stonewall. Se não sabes o que foi Stonewall, respeita o teu próprio acto de teres mudado a foto de perfil, e vai ler sobre isso, nem que seja à Wikipédia. E depois partilha esse novo conhecimento, tal como partilhaste a foto de perfil!
Para aguçar o apetite, e talvez para ajudar a explicar porque há tantas pessoas activistas dos direitos humanos que partilharam ontem coisas que muita gente considera negativas, digo isto: Stonewall não foi feito pelo Estado, foi feito contra o Estado; Stonewall não foi feito por homens gay, foi feito por pessoas trans*, muitas delas não-Brancas.
Agora olha para quem celebra o casamento. Olha para quem beneficia ou pode beneficiar dele. E olha para quem é expulso da Casa Branca. Vês um padrão?
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